sábado, 13 de março de 2010

Texto de apresentação do Álbum de Gravuras "Pied-à-terre"


PIEDE-À-TERRE
A bela alegoria da morada passageira de Federico e Iole

Figuras de lugares, objetos e pessoas sempre foram, na obra de Iole Di Natale, sinais de uma escritura poética extremamente refinada. Já foi dito que a reiteração de signos em sua arte “é construída como quem encena um teatro. Seus ícones de si mesma são a projeção dramatizada de um ‘eu’ idealizado, cujo enredo versa sobre a liberdade, a plenitude, o amor conjugal e o prazer no humanismo”. Lapidadas de modo sofisticado, cada imagem de si e de Federico forma um repertório de situações e gestos cuja coreografia poética é plena de significados. Desse modo, em Iole, cada figura se tornou também um signo, pois nele já não vemos mais um lugar qualquer, nem objetos comuns ou pessoas desconhecidas…, vemos uma casa “sua”, “seus” pertences, “sua” São Paulo ou “sua” Itália.

Tratando invariavelmente de uma única e pessoal história, cujos personagens e enredos são fáceis de localizar, esses lugares representam reiteradamente suas duas casas: a morada fixa de São Paulo e o pied-à-terre de Alessandria, na Itália.
Piede-à-terre, é o termo francês usado para designar a residência temporária, ou morada ocasional, feito abrigo passageiro para auxiliar os que, por determinado empreendimento, encontram-se distantes do lar definitivo. Não por isso o piede-à-terre condiciona o morador a situação de hóspede, já que para ele se aplicam conceitos como uma duração de tempo maior que a efêmera condição do viajante e cuidados e riscos de cada morador consigo mesmo. Piede-à-terre é, lembramos bem, uma morada, porém, a “segunda” morada.
Lugar de conforto, aconchego, proteção e cultivo de relacionamentos afetivos, cenários dos ritos cotidianos do café da manhã ao jantar, do rito do repouso e da leitura, do rito dos banhos aos rituais de medicina, do sacerdócio da amizade à liturgia do amor, este piede-à-terre alessandrino se tornaria, por antonomásia, a personificação da condição humana pelo mundo, sua morada temporária em um lugar de aprendizado, trabalho e conhecimento, seu abrigo durante a jornada de crescimento interior e amadurecimento, sendo representado inúmeras vezes ao longos dos anos nas aquarelas e gravuras de Iole Di Natale.

Piede-á-terre é assim uma bela alegoria da passagem do homem pelo mundo narrada por Iole em suas imagens, seus lugares quase sagrados, seus objetos quase litúrgicos seus personagens mitológicos. Construídos daquela matéria que com o passar do tempo e do uso de sua significação ganham uma vida nova e mais duradoura, cumprindo a transição de encenção ao rito e do rito ao mito, cuja existência é mais duradoura e representativa do que simples fatos narrados pela História. Como paralelo me recordo que já os etruscos promoviam esta transição referindo-se a ela na Tomba dei Rilievi, datada do século IV antes de Cristo e localizada no importante centro mortuário estrusco de Cerveteri, próximo a Roma. Nesta câmara monumental, a família Matuna deixou registrado nos vários relevos pelas paredes um incontável número de objetos cotidianos, de utensílios de cozinha a vestuários e animais de estimação, dando a eles um significado muito além do uso diário e aparente.

Para mim, apresentar este singelo texto neste álbum é sem dúvida uma grande honra, pois agora sabemos que como seus objetos, personagens e lugares, cada espaço construído e reservado por Iole e Federico tem em si um valor e um significado além das aparências e por isso sou, a ambos, imensamente grato.

Gilberto Habib Oliveira - nov 2009

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